terça-feira, julho 30, 2013

Amer (2010)

Amer é um filme franco-belga, realizado por Hélène Cattet e Bruno Forzani, é uma homenagem ao cinema de horror italiano dos anos 70, concretamente ao cinema de Mario Bava e Dario Argento. É uma obra surpreendente, extremamente arrojada e poupada nos diálogos que são praticamente inexistentes, onde o trabalho da fotografia, direcção de arte e montagem (soberba) contam a história.
O filme é composto por três segmentos que retratam três períodos na vida da personagem Ana, a infância é uma clara homenagem ao filme Suspiria de Dario Argento, a adolescência impregnada de eroticismo com forte inspiração no cinema euro-trash de Jess Franco e por fim a idade adulta num claro piscar de olhos ao Giallo (género de filme de horror italiano dos anos 70 e percursor do género slasher movie).
Com um sentido de estética  imaculado e com quase nenhum diálogo, o filme retrata três eventos simbólicos na vida de Ana: o primeiro envolve uma morte na família e comportamentos voyeuristas de sexo, outro mostra a sua primeira experiência de atração masculina e no capítulo final (homenagem inegável a Deep Red de Dario Argento) vemos a nossa heroína de regresso à casa de família a ser invadida por ideias persecutórias.
O argumento de Amer, como o próprio nome indica, é uma história "amarga", é uma ousada exploração do medo e do desejo, um tour de force visual composto de imagens cortadas, grandes planos, efeitos estroboscópicos , reviravoltas bizarras e uma sensualidade como há muito não se via em cinema. 
Por vezes ultrajante e implacavelmente surreal, o filme de Hélène Cattet e Bruno Forzani é a mais bem conseguida fusão entre o género fantástico/horror e o filme de arte (art house), é sobretudo uma carta de amor a um género de cinema à muito perdido.
Nem todos vão perceber e entender Amer, se por um lado o espectador habituado ao cinema de autor irá sentir alguma afinidade para com a primeira obra de Cattet e Forzani, sobretudo na forma como aborda alguns dos temas que o filme retrata; por outro o espectador conhecedor das obras de Bava, Argento e outros tantos realizadores italianos do género de horror, irá deliciar-se com o piscar de olho constante aos filmes dos referidos autores. Ficamos muito surpreendidos e recomenda-se!

terça-feira, julho 23, 2013

Only God Forgives (2013)

Bem...Hmmm! Como é que vamos mesmo começar a escrever sobre o novo filme de Nicolas Winding Refn? A obra do realizador começa com um par de filmes surpreendentes do ponto de vista plástico, mas também ao nível do seu argumento, "Bronson" foi um filme que pôs no mapa realizador e um magnifico actor chamado Tom Hardy, posteriormente "Valhalla Rising" conferiu-lhe estatuto de realizador de culto, mas foi anos mais tarde com o filme "Drive" que Nicolas Winding Refn se afirma definitivamente. Drive é um remake do filme homónimo datado dos anos 70, onde tudo foi estudado ao mais ínfimo pormenor, passando pela estética, direcção de arte e direcção de actores, sendo neste último campo que se ressalva a importância e a mestria na contensão do actor Ryan Gosling.
O ano de 2013 marca o regresso de Nicolas Refn com novo filme - "Only God Forgives" - fazendo-se recorrer novamente de Gosling, mas com muita água à mistura. Only God Forgives é um filme mediano, tecnicamente de encher o olho, completamente vazio, niilista, com um Ryan Gosling em piloto automático, com muito pouco diálogo (Gosling mal a abre a boca durante o filme todo) e extremamente violento. Ao nível da violência gráfica estamos no campo da violência pura e gratuita e sem substância dramática que a justifique.
Voltemos então ao inicio do nosso "pequeno" texto, porque também não há muito mais para escrever. Então recordemos - Como é que vamos mesmo começar a escrever sobre o novo filme de Nicolas Winding Refn? Bem! Com um profundo silêncio e espaço em branco. 

quarta-feira, julho 17, 2013

Shogun Assassin (1980)

Quando a soma das partes é simultaneamente melhor e diferente do que o todo. Poderia ser este o título de mais uma crítica cinematográfica do Palhacinho do Demo, mas optamos por lhe dar o nome do filme que estreou em 1980 nos EUA, realizado/editado por um senhor chamado Robert Houston. O paradoxo de Shogun Assassin tem origem no facto do seu realizador não o ter dirigido, mas sim ter recorrido simplesmente à sua montagem e edição. Confusos? Pois bem, a nossa história de hoje começa no papel, mais concretamente no Manga criado pelo escritor Kazuo Koike e pelo ilustrador Goseki Kojima, ao qual foi dado o nome de Lone Wolf and Cub e que viria a ser adaptado para cinema nos anos 60 no Japão. A história deu origem a 6 filmes niponicos, tendo os primeiro dois sido adquiridos para o mercado norte americano por Robert Houston, que numa atitude tipicamente americana, decidiu pegar nos dois primeiros filmes, editá-los, adicionando uma voz off e transformando todo o material num filme único ao qual chamou Shogun Assassin, numa espécie de remix flick dobrado em inglês.
A ideia mirabolante teria tudo para correr mal e para se tornar num objecto atroz, mas vá se lá saber porquê a "coisa" resultou, por incrível que pareça. Shogun Assassin é uma montanha russa impiedosa com muita tinta vermelha à mistura, é incrivelmente melhor que os originais e é um dos poucos casos em que a dobragem eleva o filme para uma dimensão completamente diferente.
A história é simples, temos um samurai que serve um senhor feudal, este por seu lado enlouquece e o samurai insurge-se, como consequência o senhor feudal manda matar o dito mais a família. A tentativa sai gorada, apenas tendo sido assassinada a mulher do nosso herói, que foge com o filho, não sem antes matar um número incontável de tipos pelo caminho e jurar vingança. A história é do mais simples que existe, mas ganha contornos épicos com algumas cenas clássicas, como aquela em que o nosso herói dá a escolher ao filho, que ainda mal gatinha, o caminho da paz ou do inferno, colocando à sua frente um sabre e uma bola de brincar, para que ele escolha o caminho que quer seguir. Claro está que o petiz toca na espada e lá vão pai e filho pelo mundo a matar tipos até chegar ao big boss.
É um grande filme, será mesmo impossível alguém ficar indiferente aos 80 minutos alucinantes de uma das inspirações de Quentin Tarantino quando fez Kill Bill, o que inclusive está implícita na cena em que a filha da heroína de Kill Bill pede à mãe para verem juntas Shogun Assassin.  
E tal como está escrito no cartaz do filme de facto "It´s impossible to keep a body count"

sexta-feira, abril 05, 2013

The Grandmaster (2013)

Wong Kar Wai é um dos realizadores asiáticos mais amados no ocidente, sobretudo na Europa, onde tem feito tudo por tudo para que a estreia dos seus filmes seja feita quase sempre em Cannes. Fortemente inspirado pela nouvelle vague do cinema francês dos anos 60, os seus filmes falam simultaneamente de tudo e de nada, por vezes parece filmar o acaso, o que deriva da génese do seu método. A sua metodologia é fruto de anos de trabalho e de experiência, mas também do risco, consiste no facto dos argumentos escritos por si estarem única e exclusivamente em sua posse, sendo dado muito pouco a conhecer aos actores que dirige - o actor tem de encontrar o personagem e sobretudo encontrar-se a si próprio. Por esta razão, existe um núcleo duro de actores equipa técnica que se repetem em praticamente todos os filmes de Wong Kar Wai, são conhecedores do seu método, idolatram o autor e estão dispostos a estarem meses a fio a rodar. É um realizador com um elevado hiato de tempo entre filmes e que tem a liberdade de rodar o tempo que quiser e com direito ao Santo Graal da meca do cinema - o final cut. Por estas e tantas outras razões, qualquer filme de Wong Kar Wai é um acontecimento por si só.
The Grandmaster é um trabalho de amor, teve uma preparação de 4 anos, tempo necessário aos actores para aprenderem as bases de Kung Fu (recomenda-se o visionamento do making of no youtube) e é inspirado na vida do mestre Yip Man, figura incontornável na história da arte marcial Wing Chun (uma variante do kung fu) e mestre de Bruce Lee. O filme demorou uma eternidade a rodar, como em todos os filmes do realizador e o resultado final é um assombro. 
The Grandmaster não é a primeira incursão nos meandros do Wu Xia (designação para filmes de artes marcias), em Ashes of Time já tinha abordado o género, mas aqui a abordagem era metafísica, focando-se o argumento numa análise profunda sobre a relação tempo vs espaço. Em Grandmaster o foco é dado à arte marcial e tudo o que está por detrás da mesma, o verdadeiro objectivo de Kar Wai é abordar conceitos como a honra, disciplina, lealdade e a sempre presente história de amor não consumada (imagem de marca do autor).
As sequências de acção, e sim é o filme mais enérgico e movimentado do realizador, são magistrais e têm a coreografia do mestre Yuen Woo Ping, são filmadas de forma espectacular, como autênticos bailados por vezes quase anti-gravitacionais cheios de simbolismo.
A fotografia está entregue ao francês Phillipe Le Sourd e é de uma sumptuosidade levada ao extremo, nomeadamente por ser um filme que se movimenta na penumbra, onde os tons negros contrastam com uma ténue luz.
The Grandmaster é um filme magnifico, de uma grande beleza e é talvez o filme mais linear do realizador, mais fácil de acompanhar para os iniciados no seu mundo tão particular e único. Recomenda-se vivamente com a esperança de haver estreia em Portugal, pois merece ser visto no grande ecrã. 

terça-feira, janeiro 29, 2013

Luther

Comecemos por constatar que a caixa mágica anda bem mais interessante do que o grande ecrã, mas se pensarmos nas séries da BBC One, bem aqui a história é bastante diferente, estamos a falar do "interessante" ao nível da estratosfera. Existe algo de bastante peculiar na produção de séries como Sherlock, onde o típico formato do conceito de season com os seus 12 a 24 episódios não tem lugar, aqui existe uma clara aposta no conteúdo, na história, economia de argumento e na honestidade de não encher chouriços com episódios sem importância ou relevância dramática. Luther é uma dessas séries, diríamos mesmo é "A" série mais inteligente, subversiva, perversa e surpreendente dos últimos anos.
Luther é também um grande actor britânico chamado Idris Elba, que parte para os EUA no inicio dos anos 90, está cerca de 4 anos à procura de trabalho como actor, para entrar numa série de referência chamada The Wire, da corpo e alma à personagem de um traficante de droga durante 3 anos, foi tão convincente que só na terceira ronda de casting os produtores descobriram que o actor era britânico; recentemente dá um enorme salto e  entra em filmes como Prometheus e mais recentemente foi lhe entregue o papel principal no próximo filme de Guillermo del Toro - Pacific Rim. A resumida história do actor tem um papel preponderante para percebermos que gosta de correr riscos, sendo já depois de ter feito filmes como Thor, ou Prometheus de Ridley Scott, que lê o argumento de Luther e decide fazer a pequena série no seu pais de origem. A aposta foi mais do que ganha, Idris Elba cria um personagem complexa de culto imediato, que tem já uma enorme legião de fãs, ganhou este ano um globo de ouro como melhor actor de uma série dramática.
Estamos perante algo de genuinamente fresco, que reescreve as regras da mais comum série policial e que irá sem dúvida nenhuma deixar uma enorme marca no panorama televisivo.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Argo (2012)

Depois de ver o novo filme de Ben Affleck ficamos com duas ideias distintas, por um lado fez muito bem ao actor/realizador a "caminhada no deserto" que teve de enfrentar após um par de maus filmes enquanto actor, ou como George Clooney gosta de chamar "movie jail", onde também permaneceu algum tempo após o atroz Batman & Robin. Consequentemente ficamos com a ideia, como já acontecera com outros, que de um actor mediano poderá nascer um realizador surpreendentemente competente e quem sabe "bom".
A carreira de realizador de Ben Affleck é ainda curta, mas fulminante, com filmes como Gone Baby Gone, The Town e agora com Argo. As influências são muitas, mas ao vermos filmes como The Town possuido pelo espírito de Michael Mann, ou mesmo o Eastwoodiano Gone Baby Gone, ficamos com a sensação de Affleck estar à procura de uma voz, de um estilo próprio que até agora continua por encontrar, no entanto uma coisa é certa o género de eleição até à data é o thriller/crime movie.
Argo é um objecto extremamente curioso, indo beber inspiração aos filmes da década de 70, onde o logo inicial da Warner Brothers típico da època começa logo a ditar as regras, onde o fantasma de filmes como os Homens do Presidente, Os Três Dias do Condor e Dia de Cão estão omnipresentes. A grande surpresa em Argo resulta de uma fusão sublime de géneros, extremamente e competentemente bem equilibrada, passando do thriller político para uma sátira feita à meca do cinema e por momentos de comédia hilariantes. Argo è também um filme sobre cinema, sobre os bastidores do cinema, a fazer lembrar por vezes Walking The Dog de Barry Levinson, sem nunca se comprometer com nenhum género em particular mas sim pulando   e alternando entre cada um deles.
É um filme absolutamente recomendável de um realizador que cresce de filme para filme, a fazer lembrar o inicio da carreira de Clint Eastwood enquanto realizador.