Wong Kar Wai é um dos realizadores asiáticos mais amados no ocidente, sobretudo na Europa, onde tem feito tudo por tudo para que a estreia dos seus filmes seja feita quase sempre em Cannes. Fortemente inspirado pela nouvelle vague do cinema francês dos anos 60, os seus filmes falam simultaneamente de tudo e de nada, por vezes parece filmar o acaso, o que deriva da génese do seu método. A sua metodologia é fruto de anos de trabalho e de experiência, mas também do risco, consiste no facto dos argumentos escritos por si estarem única e exclusivamente em sua posse, sendo dado muito pouco a conhecer aos actores que dirige - o actor tem de encontrar o personagem e sobretudo encontrar-se a si próprio. Por esta razão, existe um núcleo duro de actores equipa técnica que se repetem em praticamente todos os filmes de Wong Kar Wai, são conhecedores do seu método, idolatram o autor e estão dispostos a estarem meses a fio a rodar. É um realizador com um elevado hiato de tempo entre filmes e que tem a liberdade de rodar o tempo que quiser e com direito ao Santo Graal da meca do cinema - o final cut. Por estas e tantas outras razões, qualquer filme de Wong Kar Wai é um acontecimento por si só.
The Grandmaster é um trabalho de amor, teve uma preparação de 4 anos, tempo necessário aos actores para aprenderem as bases de Kung Fu (recomenda-se o visionamento do making of no youtube) e é inspirado na vida do mestre Yip Man, figura incontornável na história da arte marcial Wing Chun (uma variante do kung fu) e mestre de Bruce Lee. O filme demorou uma eternidade a rodar, como em todos os filmes do realizador e o resultado final é um assombro.
The Grandmaster não é a primeira incursão nos meandros do Wu Xia (designação para filmes de artes marcias), em Ashes of Time já tinha abordado o género, mas aqui a abordagem era metafísica, focando-se o argumento numa análise profunda sobre a relação tempo vs espaço. Em Grandmaster o foco é dado à arte marcial e tudo o que está por detrás da mesma, o verdadeiro objectivo de Kar Wai é abordar conceitos como a honra, disciplina, lealdade e a sempre presente história de amor não consumada (imagem de marca do autor).
As sequências de acção, e sim é o filme mais enérgico e movimentado do realizador, são magistrais e têm a coreografia do mestre Yuen Woo Ping, são filmadas de forma espectacular, como autênticos bailados por vezes quase anti-gravitacionais cheios de simbolismo.
A fotografia está entregue ao francês Phillipe Le Sourd e é de uma sumptuosidade levada ao extremo, nomeadamente por ser um filme que se movimenta na penumbra, onde os tons negros contrastam com uma ténue luz.
The Grandmaster é um filme magnifico, de uma grande beleza e é talvez o filme mais linear do realizador, mais fácil de acompanhar para os iniciados no seu mundo tão particular e único. Recomenda-se vivamente com a esperança de haver estreia em Portugal, pois merece ser visto no grande ecrã.