terça-feira, setembro 19, 2006

THE HOST (palhacinho approved)

Depois de ter sido muito bem recebido na Quinzena dos Realizadores em Cannes, exibido em duas sessões esgotadas, «The Host» estreou na Coreia do Sul com um número record de cópias (620) e a arrasar nas bilheteiras. À data da escrita deste texto era de prever que se viesse a tornar o filme sul-coreano mais bem sucedido de sempre, destronando «The King and the Clown» (2005).
Conforme seria de esperar do realizador de «Barking Dogs Never Bite» (2000) e «Memories of Murder» (2003), dois títulos de referência do mais recente cinema coreano, «The Host» não é um banal filme de género, ainda que siga algumas regras e convenções — afinal, continua a ser sobre um monstro mutante que se alimenta de humanos.
O modo como se mostra a criatura diverge da generalidade das obras de género, que optariam por obscurecê-la durante boa parte do filme, focando mais os resultados (cadáveres, autópsias, etc.) do que o agente responsável pelas mortes. A súbita investida do monstro, em plena luz do dia, traz consigo uma intensidade difícil de replicar nos casos em que o terror é doseado, obedecendo a “regras” de escrita de guiões.
Outra peculiaridade é um avanço da narrativa que não procura finais grandiosos, difíceis de contornar em obras de grande orçamento. Vamos escusar-nos de entrar em descrições pormenorizadas, como é natural, mas digamos que a criatura não sobe, qual King Kong, ao topo do 63 Building (o edifício mais alto de Seul), apesar de andar lá por perto, nem entra pelo maior centro comercial do mundo adentro, no dia da sua inauguração.
Bong Jun-ho coloca o foco na família Park e nas suas relações internas. As personagens são convincentes e nunca se nos aferem como escritas para suportar os actos da criatura voraz. O drama resulta e a audiência comove-se, por vezes (também registei o testemunho de alguém que tinha pena do monstro — que, coitado, tal como nós, come para viver — mas diria que se trata de uma excepção).
Há humor que raia a paródia, como na peça noticiosa em que a entrevistada é filmada por debaixo da mesa (para ser mantida no anonimato), ou nos momentos de pânico que se geram na rua quando se teme o contágio pelo vírus. Tal como nos seus filmes anteriores, Bong lida com notável eficiência com a mistura dos vários registos: acção, terror, drama, comédia.
A personagem de Song Kang-ho é outra face desta convivência de registos: é um sujeito lento, distraído, adormece onde calha; um tolo e um embaraço aos olhos dos irmãos, com o pai sempre a tentar desculpá-lo. Provoca gargalhadas na audiência, mesmo quando tem de enfrentar a criatura que levou aquilo que tinha de mais precioso — a filha.
O subtexto político foi desvalorizado pelo realizador que o remete para um mero ingrediente do género. É verdade que não é raro que mesmo filmes americanos culpem o governo ou os militares pela criação de mutações ou de zombies, mas a crítica ao “colonialismo” dos EUA não deixa de se registar em «The Host». Acresce que a cena de abertura foi inspirada num caso real em que um funcionário da morgue de uma base militar americana ordenou o despejo de químicos no Rio Han.
Os efeitos especiais, produzidos por estúdios na Nova Zelândia (Weta Workshop), EUA (The Orphanage) e Austrália (Creature Workshop), são, de um modo geral, eficientes, ainda que alguns planos, sobretudo na parte final, sejam menos satisfatórios. No entanto, a tensão e, por vezes, o terror produzem quase sempre os resultados pretendidos, algo que não é fácil com imagem digital. Um dos trunfos é, certamente, o design do monstro — que Bong pretendeu mais realista do que “espectacular” —, aliado ao talento de um dos mais notáveis realizadores coreanos.
Pode ser já um cliché dizer que «The Host» é mais o drama de uma família do que um “filme de monstros”, mas tal não deixa de ser verdade e é um dos seus êxitos; é a luta de uma família para se manter unida depois do ataque inesperado de uma criatura mutante e não um blockbuster com um monstro de apetite insaciável perseguindo personagens reduzidas a acompanhamentos.
in Cinedie Asia