domingo, junho 26, 2005

ADORO O CHEIRO DO NAPALM PELA MANHÃ

Para falar sobre Takashi Miike é preciso antes lembrar dois factos de relevante importância e que têm muito de pitoresco: a) nunca teve sequer um filme exibido em Portugal; b) com pouco mais de 10 anos de carreira, Miike já chegou realizou mais de 60 filmes. A pergunta que a primeira informação suscita – porquê escrever sobre um cineasta que jamais teve exibição comercial por cá –, embora não seja respondida pela segunda – ter realizado mais de 60 filmes não torna, por si, a obra de ninguém digna de discussão –, pode-se no entanto encontrar aí uma pista. Pois, como é possível fazer uma média de cinco filmes por ano? Isso é, no mínimo, curioso.
E sim, Takashi Miike é, hoje, um dos mais curiosos/interessantes cineastas em actividade, o que justifica o facto de ser também um dos mais discutidos; um dos seus últimos trabalhos, Gozu, passou na Quinzena dos Realizadores em Cannes em 2003 e, mais uma vez, um filme de Miike causou forte impressão e discussão. Gozu foi feito em vídeo digital, uma constante na obra do realizador, e depois teve o seu lançamento em cinema: foi assim também com Fudoh, em 1996, a estreia de Miike atrás das camaras.

Mas o traço principal da obra de Miike, o motivo central por que se fala tanto dele não é, absolutamente, o meio que utiliza – não é nenhuma preferência pelo DV (digital video), apenas mais uma maneira de trabalhar – e sim a forma: fazendo, na sua grande maioria, filmes de yakuza, o realizador é conhecido pela extravagância da sua obra, repleta de violência, barulhenta, sanguinolenta, estranha e esquizofrênica (é um gajo doente pa caralho digo-vos eu !!!).
A sinopse do seu último trabalho - Izô: Kaosu mataha fujôri no kijin, pode exemplificar isso: "Em 1865, Izo, um assassino a serviço do Imperador, é capturado e crucificado pelos homens do Shogun que o perseguiam. A sua raiva é de tal forma grande que, em vez de morto, viaja no tempo até Tóquio dos dias do hoje, onde se vingará dos descendentes daqueles que tentaram matá-lo". Até aqui, mesmo que a viagem no tempo seja um pouco, duuhhh, despropositada, não temos nada que seja tão terrível como o que foi referido algumas linhas atrás (a parte da violência e das litradas de sangue e tal). Continuemos, portanto: "o deslocamento temporal sofrido por Izo provoca a ira dos ‘senhores do universo’, que resolvem declarar-lhe guerra".
A batalha tem sido descrita como "a mais violenta e sangrenta sequência de espadeirada jamais filmada." Quando se diz "sangrenta", o melhor a fazer é acreditar mesmo. Miike é o mesmo homem que filmou sequências tão sugestivas como uma mulher a dar á luz um adulto, mamilos a serem arrancados com lâminas, agulhas enfiadas nos olhos de um homem paralisado; descrever tudo isto ainda é pouco. É preciso ver os seus filmes para compreender o todo (que é diferente da soma das partes por mais horriveis que sejam) com toda a sua violência e histeria. É preciso sentir e viver os filmes, pois o ponto nevrálgico da obra de Miike está aí: nos ambientes e ritmos que é capaz de criar, nas sensações-limite a que leva o espectador.

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